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domingo, 17 de maio de 2015

ativismo solitário e invisi(bi)lidade

Esse post é, na verdade, uma compilação (e ampliação) de alguns pontos que eu gostaria de ter dito na mesa redonda sobre opressão na Semana de Letras da UFC, que aconteceu semana passada. Teve um momento na mesa pras pessoas no auditório se inscreverem e falarem, mas quando eu finalmente criei coragem infelizmente já não dava mais tempo. Então, vou escrever e colocar aqui.

Começando pelo começo, eu adorei aquela mesa, em grande porque a gente se acostuma tanto a ver somente professores e doutores e outras ~autoridades falando; foi muito bom ter um momento em que a maioria das pessoas ali eram alunes, o que também é um incentivo extra pra audiência realmente querer participar da conversa e meter as caras pra falar dos problemas que sofremos na universidade.

Mas enfim. Embora a mesa tenha sido uma experiência ótima, também trouxe à tona algumas coisas não tão boas pra mim enquanto ativista. Logo quando comecei esse blog eu escrevi um pouco sobre o porque de eu ter parado de escrever sobre feminismo por tanto tempo e etc. Pois bem. Tem um aspecto do ativismo feminista, de qualquer ativismo na verdade, que as pessoas tendem a esquecer com uma frequência assustadora: a nossa luta é pessoal. Quando uma mulher fala sobre a opressão que ela sofre, ela não está falando sobre um conceito abstrato, uma teoria; ela está falando sobre o que ela passa de verdade, na vida dela. O mesmo vale para pessoas negras lutando contra o racismo, pessoas LGBT lutando contra homofobia/lesbofobia/bifobia/transfobia. A nossa luta é pessoal, amgs.

E é justamente por ser tão pessoal que é tão fácil se deixar abater. Às vezes eu digo que não tenho mais saúde pra isso e parece brincadeira, mas não é. Existe um risco real de ser alvo de violência quando se é militante, e existe também um esgotamento emocional absurdo. Se hoje em dia eu pareço impaciente, se eu me canso muito fácil, é porque eu já passei tanto tempo tendo que repetir inúmeras vezes uma séries de razões pelas quais eu deveria ser viste como um ser humano que eu simplesmente não tenho mais forças.

Quando consegui me reerguer e voltar aos poucos, o meu ativismo se tornou um ativismo solitário. Existem algumas razões para isso ter acontecido, e é aqui que eu chego na parte que realmente queria ter falado naquele dia.

Vocês já perceberam quanto do ativismo feminista gira em torno de explicar que mulheres são gente e que a opressão existe? Da mesma forma, quanto do ativismo bissexual gira em torno de explicar que existimos? Parte da minha exaustão vem do fato de que a conversa parece não passar desse ponto, nunca. Tem outras vinte e cinco mil coisas importantíssimas que deveriam estar sendo discutidas, mas ainda estamos aqui tentando legitimar nossa existência.

Meu ativismo se tornou solitário, focado na escrita e eventuais intervenções quando ouço muita merda, porque eu não faço parte de uma comunidade. Foi isso que me deu um aperto no coração no dia da mesa; ver tanta gente se articulando e tendo pra quem se voltar, e lembrar do quanto eu me distanciei tanto disso tudo. 

Acho que já falei aqui algumas vezes, ou talvez não, sobre como a comunidade bissexual é desarticulada. Eu cansei de sair de coletivo LGBT porque quando você chega lá, vê que o negócio é LG. Eu cansei de ter pessoas dizendo na minha cara que bissexualidade é coisa de gente hetero indecisa, ou que quer aparecer. Eu não tô aqui pra isso e eu não queria ter que passar tanto tempo insistindo nesse ponto. Chega uma hora em que você desiste, assim como desisti de discutir sobre gênero em espaços feministas e não chegar a lugar nenhum. É muito triste e é uma ironia muito grande quando você chega ao ponto de ter que legitimar sua sexualidade e gênero justamente nos espaços que deveriam ser seguros para pessoas que nunca tiveram sua sexualidade e gênero validados.

A amargura aqui vem da minha experiência pessoal, que não foi das melhores, mas o que eu queria deixar de útil disso tudo é: assim como a nossa existência é revolucionária, a nossa união também é. Tão importante quanto lutar pelo que acreditamos é nos unir para fazê-lo. Tudo que eu peço pra quem milita é isso: deixem os braços abertos pra quem chega, até mesmo pra quem volta. Não é um caminho fácil pra ninguém, mesmo valendo muito a pena, mas é mais difícil ainda se você estiver só.