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sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Lost in translation: ficção científica e tradução

Quando estou lendo algum livro sempre fico alternando com outro que não tenha nada a ver com o primeiro, só pra não saturar muito rápido de um assunto só. Esses dias, com a cabeça enfiada em tradução, eu estava lendo Caça aos Robôs, de Asimov (que a partir de uma outra edição passou a se chamar Cavernas de Aço). Parece que não deu muito certo o meu objetivo de me distrair do outro assunto.

Lendo antes de dormir, com aquele risco sensacional de pegar no sono e deixar o kindle cair na cara, eu percebi que estava lendo em português, mas que parecia que alguém tinha jogado o livro no google translate e saído correndo. É uma tradução estranha, com uma estrutura estranha, com palavras e expressões que foram claramente traduzidas literalmente - e não é nem porque fosse difícil encontrar uma equivalência em português, porque são coisas… simples.



“There is a small Men’s Personal here which we would be pleased to have you use if you wish to shower.”

It was in Baley’s mind to deny the necessity, but R. Daneel plucked gently at his sleeve, as the guard stepped back to his place.


— Temos aqui um pequeno Pessoal para homens que colocamos à disposição do senhor, para o caso em que desejasse tomar um chuveiro.

Baley sentiu-se tentado a negar qualquer desejo de tomar um chuveiro, mas R. Daneel cutucou levemente seu braço enquanto o guarda voltava ao seu lugar.

Uma das coisas que sempre reparei em relação ao gênero é que ele é meio que econômico com as palavras. Parece ser um consenso geral entre os autores de ficção científica - pelo menos nas primeiras décadas - que o importante é relatar os fatos da narrativa, e que a prosa em si não precisa de muito enfeite para ser eficaz.

Até aí tudo bem, vai do estilo de cada um. Eu achava que isso resolvia 100% da questão, até o semestre passado. Em uma disciplina de Literatura, tivemos que apresentar um seminário sobre a adaptação de alguma obra literária para o cinema. Escolhi Nightfall, mais uma vez de Asimov, porque a história é ótima e o filme é horrível. Achei que seria melhor pra fazer uma comparação do que pegar dois exemplos bons. Enfim.

Nightfall foi originalmente publicado como um conto, em 1941. A história é um marco do que passaria a se chamar de social science fiction, um subgênero que se preocupa mais em analisar a sociedade do que com a tecnologia em si. Nesse conto, o planeta Lagash tem seis sóis e o seu povo não conhece o conceito de noite, pois sempre existe pelo menos um sol no céu. A história da civilização de Lagash é cíclica, pois a cada dois mil anos a sociedade entra em colapso por causa de um eclipse de todos os sóis. A noite cai e as pessoas enlouquecem com o aparecimento das estrelas no céu.

Em 1990, Nightfall foi publicado como livro com um começo e final escritos por Robert Silverberg. Como não achei o livro em inglês, li primeiro o conto em inglês e depois o livro em português. Depois disso foi que atestei que não dá pra dizer que a secura das narrativas sci-fi venha única e exclusivamente do estilo do autor; é uma questão de tradução também. Eu sempre li Asimov em português, porque é mais acessível, então quando comecei a ler Nightfall pensei que nem era mais o mesmo autor. Não tinha nada a ver com o ritmo truncado e meio seco que me acostumei a ler em português, principalmente quando comparado com o livro publicado tanto tempo depois, que contém quase que o texto integral do conto. Boa parte desses livros é, simplesmente, bem escrita e mal traduzida.

Na verdade, é até difícil falar em boa ou má tradução; depende de tanta coisa. Uma tradução não é necessariamente ruim só porque eu não gostei dela, ou porque traduziu ou não traduziu os nomes próprios, ou porque usou um registro formal demais, ou por causa de outro milhão de coisas. Mas a impressão que essas traduções mais antigas passam é de uma coisa feita às pressas, sem revisão, e isso não somente afasta o leitor como também faz com que parte da beleza da obra fique perdida no limbo não do intraduzível, mas do mal colocado.